CÂMARA ENTREVISTA: GIOVANI GRIZOTTI, O REPÓRTER OCULTO

Data de publicação

03/02/2024

Data de atualização

25/04/24 10:33:50

Jornalista receberá título de cidadão honorário de Vacaria nesta sexta (9)

O meio-dia chegava e Grizotti atendia a uma série de pessoas que, muito provavelmente, jamais o viram sem ser de forma presencial. Um repórter com contrastes: reconhecido nacionalmente por seu jornalismo investigativo e regionalmente por ser o repórter farroupilha da RBS, afiliada da TV Globo, mas também um personagem oculto e de imagem desconhecida justamente pelo trabalho que exerce. Você até o ouve, mas não o vê..

Em tempos de redes sociais, com rápida circulação de informações, Grizotti é um caso raro. Pudera: desde o início da sua carreira, o trabalho jornalístico exemplar para investigar crimes lhe rendeu credibilidade e admiradores, mas também desafetos. Quando a rádio onde trabalhava em Capão da Canoa recebeu uma carta com um plano detalhado para assassiná-lo, inclusive descrevendo seus caminhos, sua vida mudaria completamente.

Ficava evidente a necessidade de exercitar a prática da discrição. Exercício que foi carregado para Porto Alegre, onde iniciou na Rádio Gaúcha e progrediu até chegar à TV. Mas se a TV é imagem, como se preservar? O caminho foi, literalmente, não revelar os seus. Porém, a sua prática mais famosa para ficar seguro foi não revelar seu rosto. Alguém pode até descrevê-lo pra você, mas se você nunca o viu, boa sorte. Com muita generosidade, ele finalmente passou a aparecer em entradas ao vivo para a TV. De costas.

Grizotti veio a Vacaria para realizar a cobertura pela RBS do 35º Rodeio Crioulo Internacional e será homenageado nesta sexta-feira (9) pela Câmara Municipal de Vacaria com o título de cidadão honorário do município – proposta de autoria do vereador Pingo Rezende (Progressistas). Nas suas palavras, declarou que poderia facilmente ter nascido aqui, de tão forte que ficou a sua ligação com Vacaria. Uma honra ao repórter farroupilha – homem que não nasceu no meio, mas que passou a vivê-lo no decorrer da sua vida.

A TV Câmara entrevistou o jornalista logo após o término da cerimônia de abertura do rodeio na manhã do último sábado (3). Foi a vez do entrevistador virar entrevistado.

Para preservar a sua imagem, realizamos a entrevista por áudio e a transcrevemos por aqui.

TV Câmara: Primeiramente, gostaríamos que você falasse a respeito da homenagem que você irá receber pela tua história com as tradições gaúchas.

Grizotti: Fiquei muito surpreso quando o vereador Pingo me procurou pra propor essa homenagem e feliz ao mesmo tempo, porque eu tenho uma ligação muito forte com Vacaria. Faço coberturas do Rodeio Internacional desde o tempo que eu trabalhava para a Rádio Gaúcha e sempre lutei pra divulgar essa grande festa tradicional que acontece na cidade e que é referência no Brasil inteiro. E fico mais feliz ainda ao perceber que a cada edição o rodeio ganha cada vez mais relevância e felizmente eu posso estar presente aqui pra realizar a cobertura, rever amigos e também, nas horas de folga, me divertir.

Nesse ano, especialmente, vai ser um momento muito importante. Além desse reconhecimento por parte da Câmara, nós vamos divulgar aqui a primeira parte do resultado de uma pesquisa que está medindo o tamanho da economia da cultura gaúcha, que vai ser na próxima terça-feira (6) aqui durante o rodeio e também uma reportagem no Jornal Hoje, da TV Globo, mostrando o Rodeio de Vacaria como um evento que gera emprego e renda pra população, que é um norte dessa pesquisa. Eu acho que eu poderia ter nascido aqui em Vacaria talvez em algum outro tempo, tamanha a minha ligação com a cidade: o carinho que eu tenho, a admiração pelo povo vacariano, o clima de Vacaria, a agricultura de Vacaria, enfim. Acho que, a partir de agora, em função dessa homenagem, eu vou me tornar ainda mais cidadão de Vacaria, quem sabe vacariano de coração.

TV Câmara: De fato. Qual é a sua trajetória dentro das tradições gaúchas? É algo que vem de infância?

Grizotti: Não. Eu nasci em Barros Cassal, uma cidade que fica perto de Soledade, e saí de lá aos 17 anos. Até então, eu não tinha nenhum tipo de vínculo com a cultura gaúcha. Eu fui conhecer mais profundamente a tradição quando fui iniciar um trabalho na Rádio Gaúcha de Porto Alegre, fazendo cobertura de praia lá em Capão da Canoa, e lá eu estive na Cavalgada do Mar, que inclusive está começando agora, nesse fim de semana, em Torres. Conheci o Gilmar Romero e outras pessoas e comecei a me interessar.

Eu estava iniciando meu trabalho na RBS naquele momento e eu percebi que, na RBS, não havia um espaço mais considerável pra cultura gaúcha, a não ser naqueles eventos mais tradicionais: semana farroupilha, rodeio de Vacaria quando dava polêmica de show sertanejo, que a gente lembra ainda do passado como é que funcionava... e então eu passei lá dentro da RBS a iniciar um trabalho de conscientização pra tentar mostrar a importância e o tamanho que tem a nossa cultura e, num segundo momento, criei espaços. Criei projetos, como o desafio farroupilha, que é um reality de músicas tradicionais; as cavalgadas do bem, que é uma ação solidária que acontece em todo o estado no mês de dezembro pra arrecadar alimentos de porta em porta; criamos um blog no G1, que é o único blog regional de cultura gaúcha no G1, que é o portal da Globo, criei espaços nas minhas redes sociais também e fui a campo preparar reportagens. Eu sugeria temas, fazia propostas de coberturas e eu também ia à rua como estou hoje em Vacaria para realizar a cobertura desse tipo de rodeio.

No começo era muito difícil convencer os colegas do tamanho que tem toda essa indústria da cultura gaúcha, mas hoje a coisa acontece de uma maneira muito mais tradicional. A própria emissora se interessa, prevê espaços, tem um galpão maravilhoso no acampamento farroupilha de Porto Alegre, que é a sede do Grupo RBS lá dentro. Acho que hoje a gente conseguiu alcançar um equilíbrio e eu posso tranquilamente dizer que o segmento da cultura regional gaúcha é o que mais recebe espaço da RBS. Isso me deixa feliz e faz com que eu possa cumprir a minha missão, eu diria, aqui na Terra, que é, além de investigar, mostrar pra população crimes e injustiças, defender essa cultura e fazer com que ela cresça cada vez mais através da visibilidade e da divulgação.

TV Câmara: Para além das tradições gaúchas, como iniciou a sua trajetória no campo da comunicação e como ela se desenvolveu até chegar nos patamares atuais?

Grizotti: Quando eu comecei no jornalismo, não tinha nada a ver com tradições. Eu iniciei com 21 anos numa coluna num jornal de Capão da Canoa, que foi a cidade pra onde me mudei depois que eu saí de Barros Cassal, aos 17 anos. Depois dessa coluna de jornal, eu fui contratado pela rádio local lá de Capão da Canoa e, num terceiro momento, recebi um convite para trabalhar na Rádio Gaúcha e aí, por fim, estou no cargo que ocupo até hoje como repórter da RBS TV e da Globo.

A parte da tradição veio depois de quatro ou cinco anos em que eu me solidifiquei com essa proposta de fazer matérias investigativas. Eu não apenas sugeria temas pra redação ligados à tradição como também fazia reportagens e criava projetos. E, hoje ainda, a maior parte do meu tempo eu ocupo com reportagens do jornalismo geral, mas sempre dedico uma parte, especialmente ali nas minhas redes sociais, no blog e eventualmente até mesmo na tradição nesse tipo de evento como é o rodeio de Vacaria.

TV Câmara: O jornalismo investigativo, no teu trabalho, veio ao natural?

Grizotti: Começou de maneira bem natural. Quando eu fui contratado na Rádio Horizonte, em Capão [da Canoa], eu era o único repórter da rádio. Então eu fazia a ponte com os ouvintes. Isso acabava criando uma relação entre eu e os ouvintes da Rádio Horizonte de um modo que, eventualmente, vários deles [os ouvintes] me ligavam pra passar informações e nisso eu comecei a construir fontes em delegacias, quartéis da Brigada Militar, prefeitura. Essa relação repórter-fonte é que acabou construindo esse fluxo de informações de modo que eu pudesse ter pautas para, não apenas ser pautado por um chefe, mas eu mesmo trazer pra dentro da redação os assuntos que eu julgava interessantes.

Até que surgiu uma pessoa dentro dessa relação que eu tinha com esses ouvintes que ligou para dizer que tinha um esquema de venda de carteiras de motorista lá na delegacia de Capão da Canoa. Aí eu tive uma ideia: eu tinha um gravador e resolvi gravar a minha conversa com um policial, em que ele ofereceu a carteira [de forma] facilitada por um determinado valor. Esse assunto depois foi pra Rádio Horizonte, [foi] aproveitado pela Rádio Gaúcha, e a primeira matéria acabou gerando outras, criando, nos ouvintes - e isso se repetiu depois na Rádio Gaúcha também -, aquela concepção de que eu era um repórter que fazia esse tipo de trabalho. Então, naturalmente, quando eles ligavam pra redação, eles me procuravam e isso se tornou uma bola de neve.

Graças a Deus eu cheguei num patamar em que eu tenho 10, 20 assuntos pra desenvolver e eu posso escolher o tema mais relevante para a audiência.

TV Câmara: A partir de qual momento que se tornou perigoso para ti essa exposição? A partir de qual matéria o pessoal passou a te causar problemas, te ameaçar?

Grizotti: A ameaça mais real que eu tive foi em Capão da Canoa mesmo. Depois da reportagem da venda de carteiras de motorista, eu denunciei uma policial civil que invadia casas durante o verão... pra morar. Casas que não eram dela. Expus o nome dela, a imagem dela, a do companheiro, que era policial também. Meses depois, chegou uma carta pra direção da rádio que descrevia um plano deles para me assassinar. Essa carta explicava inclusive os caminhos que eu fazia pra me deslocar até minha casa. A minha primeira ameaça real foi essa. A partir desse momento, eu passei a perceber que a minha privacidade não poderia ser a mesma que a de outros repórteres que faziam o dia a dia. Eu tinha que me cuidar mais, tentar preservar minha imagem, não revelar publicamente os caminhos que eu fazia, os locais públicos que eu frequentava. Até eu chegar em Porto Alegre e se repetirem situações de telefonemas com ameaças que aí [foi que] eu decidi, na minha passagem da Rádio Gaúcha pra RBS TV, de não mostrar o rosto. E isso ajuda muito.

Isso evita tu ser reconhecido por comparsas que, mesmo não tendo te conhecido na reportagem, mas saberiam te identificar através de uma foto ou vídeo... isso ajuda muito. Risco todo mundo vai correr em qualquer momento e em qualquer lugar. Uma pessoa que está numa parada de ônibus está sujeita a receber uma bala perdida. Seguro tu não vai estar 100% em lugar nenhum, mas eu tomo meus cuidados, as minhas cautelas e a principal delas hoje é preservar a minha imagem, que é o mínimo que eu posso fazer pra eu garantir a minha vida, que é o mais importante.

TV Câmara: Você sente que a situação hoje, para ti, se encontra mais tranquila?

Grizotti: Se encontrava até acontecer um episódio em dezembro do ano passado, que foi a descoberta de um plano pra me assassinar criado por uma quadrilha de contrabandistas de soja na região das Missões. Eu fui fazer uma matéria no ano retrasado sobre contrabando de vinho e soja. Interceptaram um diálogo entre os bandidos dizendo que as minhas reportagens estimulavam o trabalho da polícia no sentido de combater aquele tipo de crime. Essa mensagem foi captada uma semana depois da exibição de uma matéria no Jornal Nacional sobre contrabando de soja em que a gente mostrou os carregamentos cruzando o rio Uruguai. A polícia descobriu isso oito meses depois e aí nos avisou.

Se era pra ter acontecido, teria acontecido naquela época e eu nem ia ficar sabendo. Mas o bom é que essa quadrilha foi presa e em dezembro nós divulgamos, como forma de alerta, essa conversa que eles tiveram naquele momento e que acabou não sendo executada. Até ali estava indo tudo bem, eram mais de 15 anos que eu não recebia nenhum tipo de ameaça ou telefonema. Mas agora, no ano passado, acendeu a luz amarela de novo e eu voltei a tomar algumas cautelas pra me proteger.

TV Câmara: Gostaríamos muito de te agradecer por nos conceder essa entrevista, te conhecer melhor e parabenizar pelo título de cidadão honorário de Vacaria que o senhor irá receber nesta sexta-feira. Quer deixar uma mensagem pra população de Vacaria?

Grizotti: Muito obrigado à TV Câmara, muito obrigado ao espaço pra poder falar um pouquinho da minha história... parabenizar todo esse povo que se engaja tanto por esse rodeio e quando a gente fala em engajamento, a gente começa na própria população, que de alguma maneira ajuda. Eu estava conversando com o promotor de justiça, que fez a sua parte, e que não tem nada a ver com o trabalho dele pra ajudar a viabilizar o rodeio. E é um orgulho estar aqui e poder divulgar o rodeio de Vacaria e um orgulho ainda maior poder receber esse título de cidadão honorário que, com certeza, vou guardar pro resto da vida no lado esquerdo do peito. Parabéns, muito obrigado.

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